A recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual, alcançando 14,25% em 19 de março de 2025, reverbera como um terremoto silencioso na economia brasileira. A medida, anunciada como uma resposta à persistente pressão inflacionária, foi recebida com um misto de resignação e preocupação pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), que, em sua análise, aponta para um cenário de desafios intensificados. Não há como negar: os juros altos são um remédio amargo, necessário em alguns contextos, mas que cobra um preço elevado de famílias, empresas e, em última instância, do sonho de um Brasil mais próspero e justo.
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O peso dos Juros Altos no cotidiano
Imagine uma família de classe média planejando a compra da casa própria. Após meses de economia e pesquisa, o sonho começa a desmoronar diante das novas condições de financiamento: parcelas mais altas, prazos mais curtos e um custo total que parece inalcançável. Esse é apenas um exemplo palpável de como a Selic em 14,25% restringe o acesso ao crédito, um dos pilares que sustentam o consumo e os investimentos no país. Para as empresas, o panorama não é menos sombrio. Com o custo do dinheiro mais caro, projetos de expansão são adiados, linhas de produção são reduzidas e a capacidade de honrar compromissos financeiros é testada ao limite.
A ABRAINC reconhece que o aumento da Selic tem uma justificativa técnica: conter a inflação, que, como um monstro voraz, erode o poder de compra dos brasileiros, especialmente dos mais pobres. Em um país onde o preço do arroz e do feijão já pesa no bolso, a estabilidade dos preços é uma meta que não pode ser ignorada. Contudo, a associação faz um alerta pertinente: essa estratégia não pode ser a única ferramenta na mesa. Sem reformas estruturais e um compromisso firme com a responsabilidade fiscal, o Brasil corre o risco de ficar preso em um ciclo vicioso de juros altos, crescimento anêmico e desigualdade crescente.
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O Brasil no topo do pódio dos Juros Reais
Um dado alarmante reforça essa narrativa: desde fevereiro de 2025, o Brasil ultrapassou a Argentina e assumiu a liderança no ranking mundial de juros reais. Esse “troféu” indesejado reflete não apenas a política monetária agressiva do Banco Central, mas também a fragilidade das contas públicas e a falta de confiança dos investidores na capacidade do governo de equilibrar suas finanças. Enquanto outros países emergentes conseguem manter taxas mais moderadas, o Brasil parece condenado a carregar o fardo de um custo de capital que sufoca o potencial econômico.
Os números não mentem. Segundo a Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial em 2024 cresceram 61,8% em relação ao ano anterior, totalizando 2,2 mil casos — o maior volume desde o início da série histórica, em 2014. Esse aumento exponencial é um grito de socorro das empresas, que lutam para sobreviver em um ambiente de crédito escasso e despesas financeiras exorbitantes. Pequenos negócios, que formam a espinha dorsal da economia brasileira, estão entre os mais afetados, enquanto grandes corporações também sentem o impacto em seus balanços.
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O custo humano da Política Monetária
Por trás das estatísticas, há histórias reais. Há o empreendedor que fecha as portas de sua loja após anos de dedicação, o trabalhador que perde o emprego porque a empresa não consegue se manter, e a mãe que corta itens essenciais do orçamento para pagar as dívidas. A política de juros altos, embora eficaz no controle da inflação em curto prazo, tem um custo humano que não pode ser ignorado. É uma escolha que privilegia a estabilidade macroeconômica, mas que, sem contrapartidas, aprofunda as cicatrizes sociais de um país já marcado pela desigualdade.
A ABRAINC defende, com razão, que o caminho para sair desse impasse passa por uma redução perene da Selic. Juros menores não são apenas um desejo do setor imobiliário — que, aliás, é um dos mais sensíveis às oscilações da taxa básica —, mas uma condição essencial para destravar investimentos, gerar empregos e aquecer a economia. O setor da construção civil, por exemplo, é um motor poderoso de desenvolvimento: cada real investido em moradia multiplica-se em benefícios para fornecedores, trabalhadores e até mesmo para o comércio local. No entanto, com financiamentos imobiliários encarecidos, esse ciclo virtuoso é interrompido.
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A necessidade de um novo Pacto Fiscal
Para que os juros caiam de forma sustentável, o governo precisa fazer sua parte. A responsabilidade fiscal não é apenas um jargão técnico; é uma promessa de que o Estado gastará dentro de suas possibilidades, evitando que o Banco Central recorra a medidas drásticas para compensar desequilíbrios. O controle do gasto público, aliado a reformas que modernizem a máquina estatal e atraiam investimentos privados, é o alicerce que falta para que o Brasil deixe de ser refém de taxas exorbitantes.
Não se trata de demonizar o Copom ou o Banco Central, que operam com a difícil missão de equilibrar inflação e crescimento em um contexto global desafiador — marcado por instabilidades geopolíticas e pressões sobre cadeias de suprimentos. Mas é preciso reconhecer que a política monetária sozinha não resolve problemas estruturais. Sem um pacto nacional que priorize a disciplina fiscal e o estímulo ao investimento produtivo, o Brasil continuará patinando, enquanto países concorrentes avançam.
Um Futuro Possível
É possível sonhar com um Brasil onde o acesso ao crédito não seja um privilégio, onde empresas prosperem sem o jugo de juros abusivos e onde famílias possam planejar o futuro com segurança. Esse cenário exige coragem política e visão de longo prazo. A redução da Selic não pode ser um evento isolado, mas o resultado de uma estratégia consistente que combine estabilidade econômica com inclusão social.
A voz da ABRAINC ecoa como um apelo lúcido em meio ao ruído das discussões econômicas. Sim, os juros altos são um mal necessário no momento, mas não podem se tornar uma sina permanente. Cabe ao governo, ao Congresso e à sociedade civil construir as condições para que o Brasil saia do topo do ranking dos juros reais e passe a liderar em indicadores mais dignos: geração de empregos, redução da pobreza e crescimento sustentável. Enquanto isso não acontece, o peso da Selic em 14,25% continuará a lembrar-nos de que, por trás de cada ponto percentual, há sonhos adiados e oportunidades perdidas.